Alta dos juros deve pressionar custo da dívida de empresas

As empresas com maior pressão sobre o custo da dívida deverão sentir mais fortemente os efeitos do novo ciclo de aumento de juros já nos primeiros meses de 2025, o que tende a acelerar os pedidos de reestruturação das companhias, incluindo pedidos de recuperação judicial, que já estão em nível recorde.

Levantamento do Valor Data mostra que, considerando as 100 maiores empresas na bolsa em termos de receita – a grande maioria de capital aberto -, 23 estão com o índice de alavancagem medido pela razão entre dívida líquida e Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) acima de 3 vezes, considerado elevado. Destas, 11 elevaram esse indicador no terceiro trimestre de 2024 em relação ao mesmo período de 2023. Nesta amostragem também estão empresas não listadas (ver tabela acima).

Ricardo Knoepfelmacher, consultor de reestruturação e sócio da RK Partners, afirma que “qualquer empresa com uma alavancagem próxima a três vezes precisa reestruturar sua dívida em momentos em que a Selic ultrapassa os 12%”, patamar que acaba de ser atingido pela última decisão do Copom. “Se trata de um sinal amarelo muito forte”, afirma ele, conhecido no mercado como Ricardo K.

Ele afirma que tanto as recuperações judiciais quanto as extrajudiciais “são medidas extremas”, e que, antes de a situação financeira se deteriorar, o ideal é que a empresa se sente com seus credores para abrir negociações, reveja os planos de negócio e coloque alternativas para desalavancagem na mesa, como a venda de ativos.

Ricardo K aponta um estudo feito pela RK Partners, referente ao terceiro trimestre, com 403 empresas, entre médias e grandes, com dados financeiros públicos. Nesse levantamento, 27% não tinham capacidade de servir a dívida. Sua projeção é que, com os dados do último trimestre de 2024, essa fatia suba para 30%. “Muitas empresas estão adiando conversas difíceis e jogando para 2025.”

O número de empresas com problemas, no entanto, é ainda maior. Incluídas as pequenas e médias, a lista com menor capacidade de pagar a dívida cresce consideravelmente, segundo a Seneca Evercore. “Empresas médias estão com metade do índice de cobertura que tinham há dois anos. Ou seja, a capacidade de pagar seu serviço de dívida caiu pela metade”, afirma Daniel Wainstein, sócio da Seneca no Brasil. “Tem muita empresa média insolvente. Não me surpreende que o número de recuperações judiciais tenha aumentado.”

Para o sócio de reestruturação do escritório Pinheiro Neto, Giuliano Colombo, a expectativa de que em 2025 o pano de fundo seria de queda de juros e inflação foi rompida. Com o dólar acima de R$ 6, o cenário muda radicalmente. “O cenário é de reestruturações durante o primeiro semestre, a despeito da pequena melhora de crescimento do PIB.”

Douglas Bassi, sócio da empresa de reestruturação VirtusBR, diz que, com o atual cenário, empresas do setor imobiliário e de capital intensivo terão mais impacto, lembrando que, embora haja recursos, o crédito está mais caro.

O sócio da gestora Journey e presidente do Conselho de Administração da TMA Brasil (Turnaround Management Association), Luiz Fabiano Saragiotto, diz que a “expectativa está muito ruim” e as empresas que renegociaram prazos de vencimento em 2024, esperando queda de juros, terão de adotar ações mais proativas, o que deve elevar o número de pedidos de recuperação judicial e extrajudicial.

“Mantido o atual cenário, deveremos ter um novo recorde de RJs”, diz. Saragiotto comenta que a situação é ainda mais delicada para as companhias “high yield”, consideradas de maior risco, que estavam captando a CDI mais 4 ou 5. “Não dá para pagar 20% de juros, elas terão problemas”. Ele frisa que a situação poderia ser ainda mais difícil se as empresas não tivessem aproveitado a liquidez do mercado de renda fixa em 2024.

Muitas companhias de varejo, infraestrutura e da indústria têm trabalhado nos últimos meses na redução da alavancagem, parte delas com a venda de ativos.

Em outubro, a Marfrig informou que recebeu R$ 5,7 bilhões pela venda de 13 ativos, negociação que totalizou R$ 7,2 bilhões. Segundo a companhia, se esses recursos tivessem sido recebidos no terceiro trimestre, a alavancagem seria de 2,56 vezes no  período. O grupo encerrou o terceiro trimestre com a sexta redução trimestral consecutiva na alavancagem consolidada, alcançando 3 vezes, em reais, medida pela relação dívida líquida consolidada sobre o Ebitda ajustado consolidado.

A rede de atacarejo Assaí também tem trabalhado para reduzir o índice. A varejista informou que, nos últimos três anos, mais de 120 lojas foram inauguradas. “Esse forte período de aberturas antecipou em alguns anos a expansão da companhia. Desde então, o Assaí trabalha na sua alavancagem, que vem se reduzindo consideravelmente: era de 4,37 vezes no final de 2022; 3,8 vezes em 2023; e espera-se terminar 2024 com número inferior a 3,2 vezes, com a expectativa de ser inferior a 2,6 vezes, dado o crescimento do Ebtida e a redução da dívida líquida”.

Também com alto endividamento, as empresas de energia buscam reduzir esse indicador. A Neoenergia destaca que a sua “estrutura de capital é adequada ao ciclo de crescimento nos últimos anos”. Segundo o grupo, o perfil da dívida é saudável, sem concentrações de vencimentos no curto prazo, e diversificado do ponto de vista de credores e de  indexadores”.

Na Equatorial, o grupo reforça que é intensivo em capital, ativo em aquisições e tem uma estrutura de dívida compatível com a sua geração de caixa. “No terceiro trimestre, fechamos nossa dívida bruta em R$ 52,1 bilhões, dos quais R$ 11 bilhões de caixa aplicado em CDI e R$ 41,6 bilhões de dívida líquida, sendo mais de 50% da dívida líquida indexada ao IPCA, ou seja, que não sofre influência do CDI/Selic.”

A companhia diz que, após as recentes aquisições, está em “processo de desalavancagem, que virá do aumento do Ebitda das distribuidoras, considerando que as companhias recém-adquiridas estão em processo de ‘turnaround’.”

A Eneva aponta, por sua vez, que considerando os efeitos da captação da operação de “follow-on” e o fechamento da aquisição do portfólio de ativos termelétricos do BTG, a alavancagem pro forma será de 2,12 vezes. “Esse cálculo leva em conta tanto o desembolso nas aquisições quanto os resultados dos últimos 12 meses (LTM) até junho de 2024 dos ativos adquiridos e, evidencia a continuidade de desalavancagem nos últimos trimestres e reforça a cultura de disciplina financeira”, comenta, em nota.

Já a Light afirmou que “está em recuperação judicial e a dívida está na fase final de reestruturação”.

Em nota, o grupo CCR informou que tem uma política financeira aprovada por seu conselho de administração, que prevê a manutenção da relação entre dívida líquida e Ebitda ajustado abaixo de 3,5 vezes. “Esta política é avaliada como prudente por especialistas por permitir uma gestão adequada da dívida em momentos de maior pressão de juros.” E destacou que adota outras medidas que reduzem o risco de refinanciamento, como a exigência de caixa mínimo para enfrentar cenário adverso, ou então provisão para evitar o concentração de vencimentos em determinados períodos.

Já a Eurofarma destaca que está em processo de desalavancagem, “após investimentos elevados feitos nos últimos anos em aquisições internacionais, pesquisa e desenvolvimento, aumento da força de vendas de prescrição médica e construção da nova fábrica em Montes Claros para aumento de capacidade”.

A Dexco informa que está na fase final do plano de investimentos de 2021, “o que explica o crescimento da alavancagem”. “O cenário macro sofreu nesse período, sendo necessária a revisão de projetos. Além disso, os negócios que receberam investimentos passarão pelo período de captura de resultado dos projetos e geração de caixa para desalavancar nos próximos trimestres”.

Já a Unidas diz que o indicador atual “reflete forte ciclo de investimentos em renovação e expansão de frota”. Como já foi reforçado em conversa com investidores recentemente, a Suzano diz que a relação dívida líquida/Ebitda em dólar estava em 3,1 vezes no fim do terceiro trimestre, confirmando trajetória de queda após o início das operações em Ribas do Rio Pardo (MS), e trabalha para que fique abaixo de 3 vezes.

A MRV&Co diz que mantém “a confiança no caminho de desalavancagem para 2025, tendo em vista a evolução dos resultados operacionais nos últimos meses e que devem ser refletidos nos indicadores no médio prazo”. Frisa ainda que, em relação à operação Brasil, “é importante esclarecer que grande parte do faturamento da MRV Incorporação não é impactada diretamente pela Selic, já que o crédito no programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) possui taxas diferenciadas”.

A Enel Rio esclareceu que cerca de 90%  de sua dívida financeira é de empréstimos “intercompany” com o seu controlador direto, e, segundo ela, com maior flexibilidade quanto ao pagamento. Procuradas, Braskem, Azul, Simpar, CSN, Gol, CBA e Energisa não vão se manifestar sobre o assunto.

Fonte: Valor Econômico – Por Fernanda Guimarães e Mônica Scaramuzzo — De São Paulo, 06/01/2025

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