O mercado de trabalho brasileiro aponta uma trajetória clara de expansão nos últimos dois anos, após a crise provocada pela pandemia, quando ainda não tinha se recuperado da recessão dos anos de 2015 e 2016. Mês a mês, há recordes em números de pessoal ocupado, de trabalhadores com carteira de trabalho assinada e da massa de rendimentos, entre outros indicadores. Outros componentes retomam patamares que não eram observados há uma década, como o número de desempregados, que pela primeira vez desde 2015 ficou abaixo dos 8 milhões. Ainda assim, um alto nível de informalidade permeia os bons números do emprego no país.
Perto de 40% dos trabalhadores brasileiros ocupados atuam no mercado informal. Recentemente, houve redução dessa parcela, mas, como o total de empregos sem registro cresce junto com o trabalho formal, o número absoluto de pessoas em posições informais de trabalho segue em expansão.
Ao longo dos mais de oito anos da série de taxa de informalidade da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua – indicador calculado desde o quarto trimestre de 2015 -, apenas quatro trimestres móveis tiveram parcela dos informais abaixo dos 38%. O ponto mais alto já registrado foi de 41%, o que indica um intervalo 4,5 pontos percentuais entre o mínimo (36,5%) e o máximo.
Todos os trimestres abaixo dos 38% ocorreram em 2020, o primeiro ano da pandemia, quando os trabalhadores informais foram expulsos do mercado de trabalho pela necessidade de isolamento social. Assim, aumentou a participação dos trabalhadores formais entre as pessoas ocupadas, mas pelo chamado efeito composição.
“A informalidade de parte significativa dos postos de trabalho caracteriza o mercado de trabalho brasileiro e constitui uma importante fonte de desigualdades”, afirma o economista da Tendências Consultoria Lucas Assis, responsável pelo acompanhamento do mercado de trabalho. “Consequentemente, há um elevado contingente de trabalhadores sem acesso aos mecanismos de proteção social, como direito à aposentadoria e a licenças remuneradas, como de maternidade ou por motivo de saúde”, diz.
O segmento informal tem vínculos de trabalho mais instáveis, não garante direitos trabalhistas – como auxílio-doença e aposentadoria – e tradicionalmente oferece rendimentos mais baixos. A redução da informalidade e o aumento do grau de formalização do mercado de trabalho são parte do oitavo ponto dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da Organização das Nações Unidas (ONU), dentro do tema “Crescimento Econômico e trabalho decente”. A taxa de informalidade é o indicador usado como referência para o acompanhamento desse ODS.
Se o Brasil está abaixo da média mundial (58%) e daquela dos países menos desenvolvidos (89,1%), fica muito acima do nível observado nos países europeus e da América do Norte, que é de 11,4%, mostram dados da Divisão de Estatísticas da ONU para 2023. Em todo o mundo existem mais de 2 bilhões de pessoas em empregos informais.
No Brasil, a Pnad Contínua apontava a existência de 39,13 milhões de trabalhadores informais no trimestre encerrado em maio, dado mais recente do indicador. No cálculo do setor informal, o IBGE inclui empregados do setor privado sem registro em carteira de trabalho, empregados domésticos sem carteira, empregadores sem registro no CNPJ, trabalhadores por conta própria sem CNPJ e também o trabalhador familiar auxiliar, que ajuda a família sem remuneração.
Coordenadora de pesquisas por amostras de domicílio do IBGE, Adriana Beringuy também destaca a elevada participação da informalidade no mercado de trabalho brasileiro, apesar do papel exercido pelo setor formal no crescimento recente.
“Não é pelo fato de que a população ocupada tem crescido por impulso da população formal que a informal vem caindo. Ela só vem perdendo participação, mas se mantém como ramo muito importante da população ocupada”, afirmou Assis, ao comentar os resultados mais recentes da Pnad Contínua. “Essa expansão da população ocupada vem ocorrendo por meio do emprego formalizado, mas também por meio dos informais.”
Para a professora de economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Liana Carleial, a taxa de informalidade é hoje apenas uma referência porque a precarização do mercado como um todo aproxima as condições de trabalho de quem atua no setor formal dos que estão em vagas informais.
“Hoje a categoria informalidade é uma referência, mas não quer dizer mais nada. Trabalhadores formais trabalham por 12 horas e em condições precárias. Faz mais sentido falar em ausência ou presença de direitos sociais”, defende ela, ao ponderar sobre o que diferencia os dois tipos de trabalhadores.
Entre os trabalhadores informais, há um grupo que chama atenção. São 25,5 milhões de pessoas que trabalham por conta própria, ou 25,1% dos 101,3 milhões de ocupados. Carleial condena o avanço do empreendedorismo, que acredita esconder a baixa parcela dos trabalhadores assalariados no Brasil. “Menos de 50% dos trabalhadores são assalariados. Só de conta própria já é um número grande, de 25% dos ocupados”, diz.
Como caso de sucesso das condições do mercado de trabalho, Carleial cita a França, onde 87,3% dos trabalhadores são assalariados, dos quais mais de 70% têm contratos de duração indeterminada.
“É possível achar a situação ruim do Brasil de diferentes maneiras. Na França, quase 90% são assalariados, é um caso exitoso. É uma sociedade salarial sólida. Não é o nosso caso”, afirma.
Um dos aspectos que diferenciam os trabalhadores formais dos informais é o rendimento, que tende a ser a maior entre os primeiros. Lucas Assis afirma que a transição do emprego informal para o formal aumenta a probabilidade de melhorar o rendimento do trabalho, tanto em termos absolutos quanto relativos.
O economista pondera, no entanto, que os ganhos de rendimento com formalização não beneficiam igualmente todos os trabalhadores. “A mudança para o emprego formal apresenta maior potencial de melhoria no rendimento do trabalho para os mais ricos”, nota.
Assim como outros indicadores no país, a taxa de informalidade apresenta desigualdades, com índices piores para as camadas mais vulneráveis da população. Lucas Assis destaca as diferenças espaciais, por escolaridade e por cor ou raça: a condição predomina nas regiões Norte e Nordeste, recua à medida que o grau de instrução e mostra diferenciação por cor ou raça, sejam homens ou mulheres.
No primeiro trimestre de 2024, quando a taxa de informalidade no Brasil era de 38,9%, esse percentual estava em 70,9% entre os trabalhadores sem instrução e de 63,2% entre aqueles com ensino fundamental incompleto. Na outra ponta, a taxa era de 19,1% para quem tinha superior completo e de 29,8% para as pessoas com ensino superior incompleto.
Na análise por cor ou raça, a parcela dos informais era de 33,6% entre os trabalhadores brancos ocupados, abaixo dos 41% das pessoas pretas e dos 43,5% de cor parda. Os dados regionais também comprovam disparidades e variam entre 30,5% na região Sul e 52% no Norte. As demais taxas são de 51,3% no Nordeste; 34,1% no Sudeste; e 34,6% no Centro-Oeste.
“A estrutura produtiva brasileira ainda incorpora elementos e relações trabalhistas típicas de economias subdesenvolvidas, como, por exemplo, o grande número de trabalhadores em serviços domésticos, majoritariamente mulheres”, diz Assis. “A atividade de construção, também caracterizada por baixos rendimentos e alta informalidade, emprega predominantemente homens.”
Fonte: Valor Econômico – Por Lucianne Carneiro — Do Rio, 22/07/2024