Norma de desempenho e as prescritivas na construção: qual a diferença?

Se as normas tradicionais privilegiam o como fazer, a de desempenho tem como foco o comportamento em uso. Para isso, determina critérios e parâmetros objetivos, que podem ser medidos para a verificação de conformidade

A publicação, em julho de 2013, da NBR 15575, conhecida como a Norma de Desempenho pode ser entendida como um divisor de águas na construção civil brasileira. Veio para estabelecer parâmetros, objetivos e quantitativos que podem ser medidos em relação ao desempenho das edificações habitacionais no país.

A norma atribui também responsabilidades e exige comprometimento de fabricantes de materiais e sistemas construtivos, projetistas, construtores, incorporadores e usuários. Mas qual a diferença entre a norma de desempenho e as demais, conhecidas como prescritivas?

Parecem conceitos meio abstratos para os profissionais pouco afeitos à leitura e ao acompanhamento das normas técnicas. Por isso, para aprofundar mais sobre o assunto, convidamos para o Podcast AEC Responde o engenheiro civil Marcus Grossi, professor e perito judicial.

AECweb – Qual é a diferença entre normas de desempenho e as prescritivas?

Marcus Grossi – Trata-se de um tema muito interessante, que costumo apresentar nas minhas aulas de pós-graduação. A norma de desempenho traz um conceito diferente, uma nova ótica, um olhar distinto para as edificações. Simplificadamente, a NBR 15575 se concentra no produto, ou seja, mais no fim do que nos meios. É diferente das normas prescritivas, que focam muito nos meios, no como fazer. Gosto de fazer uma analogia: as normas antigas são como uma receita de bolo, que você deve seguir à risca. Já a norma desempenho não exige nenhuma receita, desde que você tenha, no final das contas, o produto com um determinado nível de desempenho. Creio que seja necessário até remodelar as grades curriculares dos cursos de engenharia, porque costumamos ser treinados, desde o primeiro dia de aula, a pensar de forma a seguir uma receita de bolo. Algo que, se não for 100% aplicado, significa erro. A norma de desempenho expande a possibilidade de inovação tecnológica, de desenvolver soluções diferentes, desde que alcancem o mesmo resultado final, o mesmo comportamento e desempenho em uso. Trata-se de um marco, que permite um salto necessário à indústria da construção no Brasil. Costumamos ser vistos, quando comparados às demais indústrias, como um setor arcaico, que faz as coisas sempre do mesmo jeito. A norma abriu espaço para a evolução.

AECweb – Por ser um conceito relativamente novo – a NBR 15575 foi publicada há pouco mais de 10 anos –, ainda há muita confusão de entendimento entre os profissionais a respeito?

Grossi – Gosto de fazer uma sondagem, em sala de aula, com meus alunos sobre isso. Ministro uma aula de desempenho na pós-graduação de algumas faculdades e, em geral, o perfil desse público é de 25 a 35 anos. Há, portanto, muitos profissionais que, em tese, se formaram com a NBR 15575 em vigor. Aí pergunto quem conhece o conceito de desempenho das edificações. Normalmente, a maioria diz que sabe. Mas, conforme vamos aprofundando a aula, eles mesmos percebem que não sabem, que não aprenderam, de fato, o que é desempenho na graduação. Mesmo que a amostragem das minhas aulas seja pequena, percebo que muitos profissionais ainda não têm a noção da extensão da abordagem de desempenho em relação às edificações. É um tema relativamente novo.

AECweb – O que mudou no trabalho dos peritos de engenharia com o advento da NBR 15575?

Grossi – Para quem trabalha com perícia ou inspeção, ou ainda quem atua com análise pós-ocupação, a norma de desempenho é uma ferramenta que aumentou a objetividade da análise. Porque antes tínhamos somente as receitas de bolo das normas prescritivas. E, depois do produto pronto, eu não consigo analisar as etapas realizadas durante o processo. Existia sempre uma lacuna, uma dificuldade muito grande de verificar se aquela edificação estava com o desempenho correto, se estava conforme. Não havia métodos padronizados ou alguma referência. Então, cada profissional acabava criando a sua forma de analisar. E, óbvio, isso gerava discussões e polêmicas. Já presenciei, há alguns anos, na área de acústica, um profissional tentando fazer uma medição com o celular. Ou pedindo para alguém sapatear no pavimento superior. Era uma tentativa de criar alguma coisa para medir, mas altamente questionável. Com a norma de desempenho, temos procedimentos definidos como, por exemplo, a energia de impacto a ser exercida ou a intensidade de ruído a ser gerada em um ensaio. Todo profissional tem que fazer a análise da mesma forma. E isso beneficia muito a necessária imparcialidade na perícia, deixando de lado qualquer eventual viés específico de cada profissional. Há muita coisa a melhorar, mas houve um salto muito grande e uma nova forma de enxergar as edificações no âmbito das perícias.

AECweb – No final de 2022, foi lançada a norma NBR 17170, que trata da questão das garantias, prazos recomendados e diretrizes. Qual é a característica dessa norma e como interage com a NBR 15575, a norma desempenho?

Grossi – Teoricamente, quando se fala em garantia, estamos tratando de alguma variabilidade do processo que gerou uma perda de desempenho precoce. E isso vai gerar uma responsabilização jurídica de forma imediata ou objetiva para quem construiu. O ponto é que, na norma de desempenho, foi colocado um anexo com orientações de prazo de garantia. A ideia, na época, era gerar uma distinção clara entre vida útil e garantia, que são coisas bem diferentes, mas que muitos ainda confundem. E como o conceito de vida útil era importante na NBR 15575, optou-se por deixar as garantias ali. Tanto é que a norma de desempenho não traz nada de aprofundado nesse assunto. São apenas tabelas com prazos, para evitar eventuais confusões. Com o advento da nova norma de garantia, agora existem todos os fundamentos de prazo e condições de cobertura. E, se já existia essa ênfase na norma de desempenho, agora ficou muito mais robusta a distinção entre prazo de garantia e prazos de vida útil de projeto e efetiva.

 

Fonte: AECWEB – 20/08/2024

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