A necessidade de um ajuste fiscal que resolva o descompasso entre a receita e o gasto público para estabilizar a expansão da dívida bruta bem como regre perenemente as contas públicas é inconteste. Eis o espírito da PEC 241. O governo, seu propositor, entende dois tipos de problemas fiscais: 1) conjunturais, o forte desajuste entre as despesas, crescentes e insensíveis à queda do PIB, e as receitas, que aumentaram em ritmo inferior aos dispêndios e são muito elásticas à queda do produto; e 2) estruturais, relativos ao elevado grau de vínculo das receitas a gastos determinados. 

Para os propositores da PEC, a tempestade fiscal precipitou quando as questões estruturais uniram­se à desordem conjuntural de modo que a PEC,  que define um ritmo de crescimento ao gasto igual ao IPCA, seria o caminho para a solução de três problemas: 1) resolveria a crise fiscal, 2) abrindo caminho para o país sair da estagnação e 3) auxiliaria a dirimir o mencionado problema fiscal estrutural, pois para a regra ser exequível, diversas outras reformas fiscais precisam ser realizadas. Se não, vários dispêndios vinculados/indexados não caberão no ritmo pré­determinado de crescimento das despesas.

Pois bem, a PEC tem o mérito de trazer ao debate a necessidade de se ter algum regramento fiscal. Porém, seu grande problema reside no método: ser um tratamento que, como uma camisa de força, impede os movimentos do paciente à pretensão de curá­lo. Dentre diversas críticas que vêm sendo tecidas à PEC, apontam­se outras quatro. Primeiro, o nominalismo destoa da realidade dos custos incorridos pela oferta de serviços públicos. O setor privado, de quem o Estado adquire bens
e serviços, não marca preço buscando a manutenção de sua renda real, mas sim ganhos reais. Em um rude exercício, assuma­se uma eficiência constante no setor público e tome­se a valorização do salário mínimo por proxy do custo para que o setor público compre do setor privado.

Assumindo­se ainda que a lei da valorização real do salário mínimo permaneça pelos próximos 20 anos e que, excluídos os anos de crise sem expansão real (2017 a 2019) o salário cresça em média 6,5% ao ano (4,5% de inflação mais 2% do PIB), implica­se um crescimento acumulado de 55,4% dos custos a serem pagos ao setor privado versus uma possibilidade de expansão de 36% dos gastos públicos, de 2020 a 2026 (ano de revisão da PEC) e de 191% e 111%, respectivamente, entre 2020 a 2036 (ano final da PEC).

Um segundo problema é o conflito distributivo que a PEC coloca no corpo do setor público. Dada a discrepância mostrada acima, os diversos serviços públicos disputarão entre si por ganhos reais, o que um âmbito da administração pública só conquistará às custas de outros. A se considerarem os 20 anos da PEC, em breve a recomposição real relativa será  impossível e cortes em vários serviços serão inexoráveis. O terceiro problema resulta dos anteriores. A PEC é, de fato, inexequível no médio prazo, o que traz duas sérias consequências: 1) uma possível perda de credibilidade da política  fiscal, ao se ter que alterar a regra (frequentemente)no futuro, o que já é dito pelo presidente Michel Temer. 

Em  analogia, isso seria tal qual o uso recente da banda superior da inflação como "meta", desancorando as expectativas de inflação futura e dificultando a queda dos juros mesmo com demanda arrefecida. Ademais, 2) há riscos de que a 
flexibilização da PEC se dê em períodos eleitorais, implicando ciclo político sobre as finanças públicas. Por fim, a PEC não trata os investimentos públicos de forma especial. Inclusive, sendo o mais relevante gasto discricionário no orçamento público, é bastante provável que esta rubrica seja a variável de ajuste para se fechar o orçamento sob o novo regime fiscal. 

Poiis bem: o que se poderia fazer para se permitir o ajuste fiscal e, também, disciplinar­se o gasto público, sem uma camisa de força? Uma proposta é que o  gasto cresça um certo percentual da variação real das receitas públicas, dando aumento real. Por exemplo, regre­se que  eles cresçam 30% da média do crescimento real da receita dos últimos 3 anos. Assim, os gastos se adaptariam mais suavemente ao forte caráter pró­cíclico das receitas, permitiriam a construção de superávit primário cíclico e concederiam regrada flexibilidade aos gastos públicos, logo, deixando mais crível a própria execução da política fiscal e financiando a expansão do estado de bem­estar social brasileiro. Em tempos de queda real de receita, cortes de gasto seriam necessários, mas entraria em cena o investimento público contracíclico.

Pela mesma fórmula de cálculo acima, se deveria permitir que o investimento público crescesse em termos reais algum percentual da variação real das receitas. O investimento precisa ser contracíclico, mais modesto quando há aquecimento do investimento privado e mais despendido em momentos de contração econômica. Neste sentido, parcerias público­privadas são interessantes para que o investimento público, ao ser concluído, não fique a custo público, mas seja explorado pela iniciativa privada e retorne tributos ao Estado, retornando o custo do investimento. 

 Nesta lógica, o resultado do investimento público não necessariamente converte­se em gasto corrente. Ambas as regras de expansão real dos gastos com base na variação real das receitas podem começar a valer em alguns  anos, para agilizar o alcance imediato do ajuste fiscal. Por fim, o momento sugere que sejam revistos outros aspectos das finanças públicas pouco tratados à sombra da PEC, como as reformas tributária e do mercado de dívida pública federal. Para este  último, contudo, requer­se a recuperação da credibilidade fiscal, para o que são precisos ajuste e regramento fiscais, pois se não os credores continuarão pedindo juros elevados para financiar o desajuste fiscal, constrangendo ainda mais a delicada situação fiscal do país e tornando inviável qualquer medida que reduza o lado financeiro dos gastos públicos.

Fábio Terra é professor do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia e pós-doutor pela Universidade de Cambridge, Reino Unido.

Fonte: Valor - Opinião, por Fabio Terra, 20/10/2016