Em uma sessão o Senado procurou resolver dois problemas que se tornaram prementes a partir das investigações da Operação Lava­-Jato ­ o do foro privilegiado e o do abuso de autoridade. No primeiro caso, o Supremo Tribunal Federal já havia marcado um exame da questão, para circunscrever as situações em que a prerrogativa do foro seria adequada. No segundo caso, a ofensiva ensaiada pelos senadores contra as investigações, que enredam em suspeitas 24 dos 81 membros da Casa, pela lista de Fachin ­ pretendia colocar vários freios na ação do Ministério Público, sob a pecha de abuso. Mas o texto final não consagrou essas intenções.

Na questão do foro privilegiado, o intuito do ministro do STF, Luís Roberto Barroso, e a dos legisladores, no projeto relatado por Randolfe Rodrigues (Rede­AP) são convergentes. Barroso propôs restringir o foro ao Supremo aos casos em que seu detentor tenha cometido um possível crime no exercício de sua função. O projeto, aprovado no Senado em primeira votação anteontem, determina que no caso de crimes comuns todas as autoridades possam perder o privilégio de foro, com exceção dos presidentes da República, da Câmara, do Senado e do STF. No caso de crime de responsabilidade, decorrente do ofício do cargo público, o foro será mantido.

Se o projeto for aprovado em tempo hábil ­ como emenda constitucional, precisa de duas votações no Senado e na Câmara ­ os processos de 8 ministros, 39 deputados, 24 senadores e 3 governadores oficialmente investigados seguirão, na maioria, para as primeiras instâncias do Judiciário.

Estima-­se que hoje 35 mil pessoas tenham direito a julgamento diretamente nas instâncias superiores. O Senado, por outro lado, eliminou a possibilidade de o Congresso deter o andamento de ação penal contra legisladores e permitiu a prisão de congressistas condenados em segunda instância por crimes comuns.

O projeto sobre o foro pode atender ao desejo de proteção dos investigados na Lava­Jato, embora ela não esteja garantida. A morosidade no julgamento no STF tende a ser igual ou menor do que o feito na progressão da primeira à última instância ­ a média é superior a 7 anos em ambas. Porém, uma das finalidades do foro privilegiado ­ evitar o uso do poder político local contra juízes de primeiro grau ­ cairá por terra. De toda forma, se sancionado, os investigados ganham tempo e os processos recomeçarão nas varas judiciais. 

O Senado passou uma mensagem política de equilíbrio ao restringir o foro na mesma noite em que aprovou nova lei de abuso de autoridade, que ainda terá de ser aprovada pela Câmara dos Deputados. Os piores temores do Ministério Público não se concretizaram. O senador Roberto Requião, (PMDB­PR), autor do substitutivo, foi demovido na última hora de manter no texto dubiedade suficiente que poderia caracterizar a divergência de interpretação das leis entre procuradores e magistrados como abuso. O texto aprovado diz que isso, por si só, não o configura.

Não havia a menor urgência no exame do projeto, que substitui a lei 4898, de 1965, embora sua necessidade seja evidente. Os senadores, no final, explicitaram dispositivos que podem cercear arbitrariedades do poder estatal. As punições vão de 6 meses a 4 anos de prisão (antes, eram de 10 dias a 6 meses), inabilitação para o exercício de função pública e indenização às vítimas.

Pelo projeto, são caso explícitos de abuso a condução coercitiva de investigados e testemunhas sem prévia intimação judicial, bem como a obtenção de provas por meios ilícitos ou ingresso em imóvel alheio sem determinação judicial. Os senadores puseram vários limites à exposição dos investigados. Serão passíveis de punição as autoridades que permitirem fotografias ou filmagens de presos sem consentimento deles, ou o uso de algemas quando não houver resistência à prisão. Foi aberta uma brecha a ações contra procuradores, ao se permitir, o que hoje é vedado, ação penal privada contra o abuso de autoridade, caso o Ministério Público não o faça em até 6 meses após os fatos que supostamente configuram abuso.

Não se sabe o que pode acontecer com os projetos na Câmara, mas a "revanche" dos senadores contra a Lava-­Jato não resultou em nada que tolha sua continuidade. Dos estratagemas aventados por congressistas para se salvarem de punições, resta ainda a tipificação do crime de caixa 2. É uma arma de eficácia legal duvidosa, que poderá ser usada no momento oportuno.

Fonte: Valor - Opinião, 28/04/2017