O direito à moradia foi reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, como um direito universal. Além de universal, nossa Constituição de 1988 estabelece em seu artigo 6º que a moradia é um dos direitos sociais que todos os brasileiros já deveriam estar usufruindo. Um dos motivos é a associação direta com o princípio da dignidade da pessoa humana. A moradia impacta diretamente em segurança, saúde, acesso à água, entre tantos outros direitos.
Recentemente, a Fundação João Pinheiro publicou mais uma edição de sua pesquisa sobre déficit habitacional, agora com os dados de 2022.
O conceito de déficit habitacional tem indicadores que estimam a necessidade de substituição, reforma ou mesmo construção de habitações devido a três motivos: precariedade, ônus excessivo com aluguel e coabitação (famílias que compartilham cômodos e unidades domésticas).
A pesquisa mostra que, em 2022, 6,2 milhões de domicílios estavam em alguma dessas três situações. Portanto, 8,3% dos domicílios de famílias brasileiras representavam violação ao direito de moradia.
Ao mesmo tempo, o Censo Demográfico do IBGE de 2022 indicou que o número de domicílios particulares vagos era de 11,4 milhões, portanto, quase o dobro do número de unidades necessárias para equacionar o déficit habitacional.
Outra evidência importante é que, dentre os 6,2 milhões de domicílios brasileiros identificados pela Fundação João Pinheiro, 52% respondem por ônus excessivo de aluguel. Metade dos domicílios são de famílias com renda familiar de até três salários mínimos que despendem mais de 30% de sua renda com aluguel.
Na outra metade do déficit, 21% decorrem da coabitação e 27% de habitação precária. Portanto, o déficit habitacional decorre majoritariamente do ônus excessivo de aluguel e, em segundo lugar, da necessidade potencial de reforma da habitação em que a família já vive.
O número de situações em que é necessária a construção de uma nova habitação é bastante reduzido, especialmente considerando o número de domicílios particulares vagos. O Brasil parece ter muito mais casas vagas do que famílias sem casa, além de um enorme número de famílias excessivamente pressionadas com o aluguel.
Olhando para a política habitacional, o Brasil tem como carro-chefe um programa federal de construção de residências, o Minha Casa Minha Vida. De 2010 a 2024, ele entregou 6,87 milhões de unidades. No mesmo período, o número de unidades particulares vagas no Brasil saltou de 6,1 para 11,4 milhões, de acordo com o Censo.
O Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas do Governo Federal indica, em um de seus relatórios, que o déficit habitacional seria de 12 milhões não fosse o Minha Casa Minha Vida. Apesar de essa hipótese ser possível, ela parece bastante improvável.
As implicações para a política pública são claras: precisamos reformular e otimizar nossa política habitacional popular. Políticas de reforma interna das casas de famílias vulneráveis e políticas de aluguel social já deveriam ser prioridade para equacionar o déficit habitacional, considerando que o ônus excessivo e a necessidade de reforma compõem a maior parte do déficit.
A construção de moradias não parece ser a resposta eficiente em boa parte dos casos, embora relevante. Precisamos redirecionar nossa política habitacional, em prol de garantir o direito à moradia para os mais vulneráveis.
Fonte: Folha de São Paulo – Por Laura Müller Machado – São Paulo, 06/09/2024