A adaptação e resiliência do ambiente construído nas cidades são responsabilidades cruciais da administração pública diante das mudanças climáticas. O risco de escassez de água potável e de temperaturas extremas, exacerbado pelo crescimento urbano, exige novas abordagens para construir e fornecer serviços de infraestrutura de maneira sustentável. Edifícios consomem, aproximadamente, metade da eletricidade no Brasil, segundo relatórios do Balanço Energético Nacional. Existe um potencial de redução desse consumo em 50% para novas edificações e de 30% para as existentes por meio de medidas de eficiência energética, como informa o Programa Brasileiro de Etiquetagem de Edificações (PBE Edifica). Assim, há uma grande oportunidade para economia de recursos e sustentabilidade nas edificações das cidades.
Contudo, o Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS) identificou dificuldades nas prefeituras para efetivação de políticas de eficiência energética e de conservação de água devido à falta de uma estrutura de governança sólida e de capacitação técnica dedicada. O programa Cidades Eficientes, realizado pelo CBCS em parceria com o Instituto Clima e Sociedade (iCS), exemplifica uma iniciativa bem-sucedida. O programa capacita equipes técnicas e administrativas das prefeituras na estruturação de uma governança para a sustentabilidade das edificações. A implementação de uma plataforma digital para gestão de consumos nas edificações públicas municipais permite o monitoramento mensal do uso de energia e água, facilitando a identificação de padrões de consumo, detecção de anomalias e planejamento de intervenções para melhorar a eficiência.
Na cidade do Rio de Janeiro, a plataforma digital implementada pelo CBCS analisou, em 2022, 2.000 edificações municipais. Em 85% delas, os gastos com energia elétrica eram da ordem de R$ 215 milhões, sendo equivalentes as despesas com água. As unidades escolares representaram 70% dos edifícios identificados e 28% do consumo total de energia elétrica dos edifícios municipais, enquanto as edificações pertencentes à Secretaria da Saúde representaram 12% dos edifícios e 51% do consumo total de energia elétrica. Para os 1.541 edifícios escolares identificados, por exemplo, intervenções no sistema de iluminação e de condicionamento de ar são capazes de trazer economias entre R$ 8,6 milhões e R$ 16,1 milhões por ano, com tempo de retorno dos investimentos menor que três anos. Em uma escola típica analisada, a instalação de torneiras de pressão com arejadores e restritores de vazão pode proporcionar uma economia de 192.864 litros de água por ano, representando despesas entre 14% e 23% menores.
As ações do programa Cidades Eficientes também envolveram capacitação de servidores, pesquisas e gincanas para identificar outras oportunidades de melhoria, como substituição de bacias sanitárias, instalação de sensores de presença, troca de eletrodomésticos e outras medidas gerenciais, como a padronização da temperatura operacional dos equipamentos de ar-condicionado nos ambientes.
Fica claro que uma governança municipal bem estruturada, com metas de eficiência energética, equipe capacitada e ferramentas para a gestão dos consumos e desempenho nas edificações públicas gera impactos positivos significativos, uma vez que reduz custos, prioriza medidas para adaptação dos edifícios aos efeitos das mudanças climáticas, garante transparência no uso dos recursos públicos e incentiva melhorias no ambiente urbano edificado para as pessoas. A revisão dos códigos de obras municipais para que considerem os padrões de classificação do Programa Brasileiro de Etiquetagem para Edificações, o PBE Edifica, também é necessária, juntamente com o incentivo às intervenções de retrofit e o planejamento de roteiros para a descarbonização das edificações até 2050.
Neste sentido, o governo federal também tem papel crucial no suporte às iniciativas municipais, disponibilizando recursos para os governos locais revisarem os seus planos diretores e códigos de obras de modo coordenado com as metas nacionais de sustentabilidade. Programas como o Procel e o PBE Edifica, do Ministério de Minas e Energia, fornecem diretrizes importantes para a eficiência energética das edificações, enquanto sistemas de avaliação de conformidade técnica, como o PBQP-H, da Secretaria da Habitação do Ministério das Cidades, garantem a qualidade de materiais, sistemas e serviços.
Outra questão é a falta de transparência e compartilhamento de dados de consumo e custo de energia e água das edificações pelas concessionárias e que tem sido uma barreira para o monitoramento e aperfeiçoamento das políticas de eficiência energética e conservação de água pelas prefeituras. Políticas públicas voltadas para operacionalizar essa transparência são necessárias para que o acesso aos dados possibilite a implementação de programas de eficiência e mitigação mais efetivos.
Concluindo, a promoção de políticas públicas e de medidas práticas são essenciais para enfrentar os desafios das mudanças climáticas e garantir um uso eficiente e transparente dos recursos públicos. A capacitação de servidores, a implementação de novas políticas públicas e o estabelecimento de uma governança sólida são fundamentais para promover a eficiência energética e a conservação da água nas cidades brasileiras.
Sobre a autora
Clarice Degani é diretora-executiva do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS)
(*) Disclaimer: Este artigo reflete a opinião do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.
Fonte: Valor Econômico – Por Clarice Degani, Para o Prática ESG — São Paulo, 19/08/2024