Pelo histórico de juros altos no Brasil, quando ouvimos falar de dívida, logo dá aquele arrepio. Mas será que toda dívida é ruim? Se a todo instante ouvimos falar de empresas captando recursos para fazer investimentos, deve haver algum critério que faz com que um endividamento seja interessante.
É esse critério que eu vou abordar hoje.
De fato, há um tipo de dívida que muitos fazem acreditando que estão fazendo um bom negócio, mas podem estar perdendo dinheiro. Na semana passada, estava conversando com um investidor e ele afirmou: “Acho que para este investimento vale a pena fazer dívida”. Logo em seguida, questionei: “Por quê?” Ele não soube explicar.
Apenas pela sua intuição: “Porque acho que faz sentido”.
Achar não é subsídio suficiente para tomar uma decisão bem fundamentada. Por isso, vou mostrar como você deve fazer a conta para decidir. Vamos a uma matemática simples para entender quando valeria a pena fazer dívida.
Imagine que você encontrou um investimento com rendimento certo e elevado, por exemplo, uma renda fixa sem risco com retorno de 15% ao ano, isento de IR, com vencimento em um ano. Óbvio que essa aplicação não existe. O objetivo é apenas a compreensão.
Você tem apenas R$ 100 mil. Se você investir nesse título, em um ano vai receber de volta R$ 115 mil. Você não consegue aplicar mais, pois não tem recursos. Entretanto, considere que seu banco ofereceu até R$ 900 mil em financiamento para você aplicar neste título por um ano com taxa de juros de 12% ao ano. Você pegaria esse financiamento?
Veja a conta.
Com seu capital de R$ 100 mil mais os R$ 900 mil que o banco te emprestou, você investe R$ 1 milhão no título. Ao final de um ano, o título vai render R$ 150 mil e você recebe também o principal de volta. Mas lembre-se de que precisa pagar a dívida do banco. Você deve devolver o capital que o banco emprestou acrescido dos juros de R$ 108 mil.
Assim, você recebe do investimento R$ 1,15 milhão, paga ao banco R$ 1,008 milhão e sobram R$ 142 mil, ou seja, um lucro de R$ 42 mil sobre os R$ 100 mil que você investiu de capital próprio. Portanto, seu investimento próprio teve um retorno de 42% ao ano em vez dos 15% que teria se não financiasse.
Sabemos que, se um investimento rende —de forma líquida de IR— mais que o custo do financiamento, vale a pena financiar, pois seu rendimento total se eleva. Aqueles que se aproveitam de dívida para alavancar o patrimônio têm essa regra de ouro.
Por outro lado, o que ocorreria se a aplicação rendesse apenas 10% ao ano líquido de IR, ou seja, menos que o custo do financiamento?
Neste caso, se você financiasse nas mesmas condições, o valor que receberia do investimento ao final de um ano seria de R$ 1,1 milhão, com o retorno de 10%. Subtraindo o valor (R$ 1,008 milhão de financiamento) que deve retornar ao banco, sobrariam R$ 92 mil, ou seja, um prejuízo de R$ 8.000 em relação ao seu capital próprio de R$ 100 mil.
Portanto, se o rendimento da aplicação é menor que o custo do financiamento, o retorno do capital próprio que você emprega será menor que o esperado pelo ativo e pode ser até negativo, como no exemplo.
Assim, quando você decide financiar a aquisição de um bem, deve se certificar de que esse ativo renda mais que o custo do financiamento.
A discussão que eu estava tendo com o investidor que achava que sempre valia financiar era sobre financiamento imobiliário. O exemplo acima mostra que não é sempre verdade. Com as taxas de hoje, a maior probabilidade é que não faça sentido financeiramente.
Atualmente, as taxas de juros de financiamento imobiliário estão variando entre 11% e 12% ao ano + TR. Portanto, com uma TR de 1,2% ao ano, o custo total médio do financiamento está em 12,7% ao ano.
Logo, você deveria esperar que seu imóvel tivesse um rendimento líquido de IR de pelo menos 12,7% ao ano para valer a pena economicamente falando fazer um financiamento imobiliário nos dias de hoje.
Lembro que um retorno de 12,7% líquido de IR seria equivalente a um retorno bruto de aproximadamente 14,94% ao ano. Não parece razoável esperar que imóveis tenham uma valorização superior a 15% ao ano, mesmo considerando o ganho de aluguel.
Portanto, cuidado ao generalizar que sempre vale financiar a aquisição de um imóvel. Aqueles que se afundam em dívidas ou dilapidam o patrimônio em vez de fazê-lo crescer não atentam para que o rendimento do ativo seja maior que o custo da dívida.
Fonte: Folha de São Paulo – Por Michael Viriato – 24/06/2024