Setor produtivo diz que aprovação do PL 11.247/2018 é fundamental para o desenvolvimento do segmento no Brasil
Na tentativa de viabilizar o marco legal das eólicas em alto-mar (PL 11.247/2018), que originalmente estabelecia um arcabouço para a exploração de energia no mar, o setor eólico trabalha para acelerar a aprovação do projeto, dada a urgência do tema. Enquanto isso, o governo busca tempo para negociar com o Congresso a versão do PL sem os chamados “jabutis” — dispositivos estranhos ao tema original que desviam o foco do projeto e aumentam a tarifa para o consumidor.
O setor produtivo diz que a aprovação do projeto é fundamental para o desenvolvimento do segmento no Brasil, que vem passando por um processo de desindustrialização na cadeia de suprimentos, e a retomada do crescimento depende de um ambiente propício aos investidores. Existem atualmente mais de 230 projetos à espera de aprovação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e isso só deve acontecer se o marco legal das eólicas offshore for sancionado.
O PL faz parte da chamada “agenda verde” do governo. Contudo, ele tem enfrentado duras críticas por parte de agentes do setor elétrico, já que a aprovação com as emendas pode elevar a conta de luz do consumidor brasileiro em aproximadamente R$ 25 bilhões por ano até 2050, segundo cálculos da consultoria PSR, além de promover incentivos a fontes de energia poluentes.
As emendas inseridas no texto incluem a contratação de térmicas a gás, manutenção de usinas a carvão mineral, postergação do prazo para renováveis entrarem em operação com subsídios, contratação de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), postergação do prazo para geração distribuída entrarem em operação com subsídio, construção de planta de hidrogênio, entre outras coisas.
A presidente executiva da Abeeólica, Elbia Gannoum, expressou preocupação com o longo período de estagnação do projeto, que levou algumas empresas importantes a desistirem de investir no Brasil, realocando seus recursos para outras regiões do mundo. Segundo Gannoum, o Brasil necessita de uma política industrial robusta, alinhada à transição energética, e isso só será possível com a criação de um arcabouço legal regulatório para as novas tecnologias.
“As grandes operadoras de energia do mundo já estão aqui, já investem em energias renováveis. Temos também as petroleiras que têm um desejo grande de investir em energias renováveis em eólicas offshore para atender seus investidores, por isso que o Brasil precisa ter um aparato legal. O Brasil não tem, como os Estados Unidos ou como a Europa, recursos do Tesouro para promover programas de subsídios”, afirma.
Por parte do governo, o secretário de economia verde, descarbonização e bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Rodrigo Rollemberg, diz que há um esforço concentrado do governo para que ele passe sem as mudanças, mas reconhece que isso passa por uma complexa negociação no Congresso. Os “jabutis” inseridos são vistos como “fogo amigo”, já que alguns pontos foram incluídos por deputados da base aliada do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Eu diria que é a defesa de um interesse regional por parte destes parlamentares. Isso faz parte do jogo político, mas a posição do governo é garantir a aprovação do marco regulatório sem onerar o consumidor. Eu espero que isso possa acontecer no próximo esforço concentrado do Senado Federal”, afirma Rollemberg.
O político afirma que já estão em andamento negociações com o relator Weverton Rocha (PDT-MA) para a retirada dos subsídios. Se o governo não conseguir barrar as emendas, isso pode ser ruim para a imagem do presidente Lula, que tem cobrado um esforço para conter a alta na conta de luz, e do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD-MG), que tem declarado insatisfação com o PL.
A expectativa de Rollemberg é que a aprovação saia no próximo esforço concentrado do Senado Federal. Resta saber se será tempo suficiente, já que, segundo o governador Elmano de Freitas (PT-CE), há pelo menos quatro temas que precisam de consenso.
“Os temas de soberania que envolvem a marinha brasileira, temos o turismo para preservar as belezas de nossas praias e definir a distância das torres em relação à praia e temos a questão da pesca industrial e artesanal que precisam a área costeira”, disse o governador em entrevista ao Valor.
Ainda na esfera estadual, principalmente os governadores do Nordeste seguem apreensivos sobre a aprovação do projeto, visto que a economia das eólicas offshore está relacionada ao mercado de hidrogênio verde, já que ela destrava investimentos ao criar uma nova demanda por energia renovável na região.
O autor original da matéria é o ex-presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, de quando ainda era senador. Prates defende o legado do seu mandato e diz que é factível terminar essa tramitação no Senado, desde que haja apoio do relator e conciliação com os interesses do governo. Em relação aos “jabutis”, Prates acredita que a melhor solução seria discutir as emendas separadamente; contudo, é difícil saber a viabilidade política, já que isso pode significar uma derrota para os parlamentares regionais autores das emendas.
“Agora, a questão está nas mãos do governo, que precisa decidir se vai tirar [os ‘jabutis’] ou deixar que eles passem, para depois administrar a crise no nível infralegal, portanto, na gestão da política energética do país. Não vejo uma mobilização clara contra os ‘jabutis’, mas uma preocupação real em aprovar o projeto para que possamos avançar para as próximas etapas (…). O setor eólico resolveu lavar as mãos. A essa altura, se quiserem botar os ‘jabutis’, paciência. Vai ficar uma lei estranha”, afirma.
Fonte: Valor Econômico – Por Robson Rodrigues, Valor, 16/08/2024