Quem viajar a Paris nas próximas semanas para acompanhar a Olimpíada verá algumas mudanças ocorridas na Cidade Luz de uns anos para cá. Uma delas fica na Rue de Rivoli, importante polo comercial nas margens do rio Sena, que possuía sete faixas para carros e agora só permite pedestres e bicicletas. Outras centenas de quilômetros de ciclovias buscam tornar toda a cidade ciclável, e surgiram novos miniparques. Numa ação intencional, a Câmara de Paris vem comprando lojas particulares para controlar a especulação imobiliária e determinar o tipo de uso em cada bairro.
Tudo isso faz parte do programa “Cidade de 15 minutos”, termo cunhado pelo urbanista franco-colombiano Carlos Moreno, diretor científico do laboratório de inovações urbanas da Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne e mentor do conceito abraçado pela prefeita Anne Hidalgo. A ideia é que cada cidadão deve ter tudo de que precisa à distância de um quarto de hora, ideia decorrente dos estudos de urbanismo humanista da americana Jane Jacobs e do dinamarquês Jan Gehl.
Falando ao Valor do aeroporto de Paris, entre um voo e outro, Moreno conta que se surpreendeu quando suas pesquisas se tornaram um movimento mundial — assim como sua agenda, que muda constantemente de fuso horário.
Também não tem fronteiras a crise política e climática que o mundo enfrenta, o que endossa o apoio às “proximidades sustentáveis” como indutoras de bem-estar e controle de emissões. Cidades como Ottawa, no Canadá; Melbourne, na Austrália; Barcelona, na Espanha; e Portland, nos EUA, têm adotado o projeto que prioriza as proximidades ou pretendem adotá-lo em algumas regiões.
Mas será que esse investimento faz sentido em uma cidade como, por exemplo, São Paulo, com tamanhos desafios econômicos, sociais e ambientais, sem uma infraestrutura de transporte que dê conta do recado?
Para os críticos, o projeto é excludente e aumenta desigualdades entre áreas mais ou menos favorecidas, e surgem até teorias da conspiração que misturam o termo “cidade de 15 minutos” com projetos de restrição do tráfego em determinadas regiões das cidades — o que não faz parte da proposta.
Abaixo, Moreno descreve melhor sua visão para cidades melhores de se viver:
Sem restrições
“A ‘cidade de 15 minutos’ pode ser implantada em qualquer lugar em que o governo local — seja o prefeito, estado ou região — deseje criar uma política urbana territorial para o crescimento da cidade que permita mais mistura social. Além disso, que diminua o peso dos automóveis no transporte, já que eles contribuem para as mudanças climáticas, e crie mais condições de acessibilidade e proximidade, de preferência que se possa chegar de bicicleta aos serviços necessários. Não há nenhum impedimento para que qualquer cidade adote, mas não é uma varinha mágica que resolve as coisas em poucos meses. É uma mudança de rota, que irá modificando nossa maneira de viver, de trabalhar, de ir ao médico, ir a eventos culturais, comércio, escolas. É uma questão de vontade política somente.”
Bons exemplos
“Temos muitos bons exemplos de ‘cidades de 15 minutos’ no mundo inteiro, porque surgiu um movimento e até um Observatório Mundial de Proximidades Sustentáveis, que gerencia todas essas iniciativas no mundo. Esse movimento começou em Paris, que adotou o conceito em 2019 e começou seu processo de transformação. Outras grandes cidades europeias como Milão, Roma e Bolonha a adotaram, e agora grandes regiões europeias, como a Escócia, pretendem adotá-lo em cidades como Glasgow, Edimburgo, mas também cidades pequenas na Polônia, com poucos milhares de habitantes. Nos EUA, temos cidades como Cleveland, Portland, Seattle, Montreal. Na América Latina, muitas cidades se interessam pelo conceito, seja no Chile, a própria Buenos Aires, e ainda Bogotá. E em outros continentes temos Melbourne, na Austrália, Seul e Busan, na Coreia do Sul… a lista é longa, desde cidades grandes e pequenas, além de territórios rurais, que decidiram adotar esse caminho, que gera um movimento de transformação.”
Urbanista de sucesso
“O movimento me surpreendeu, claro. Quando se é um professor e pesquisador, numa entidade de alta reputação como a Sorbonne, nosso objetivo não é tanto ter êxito em implantar coisas, e sim pesquisar boas ideias. Se não funciona, não tem problema, porque somos pesquisadores, temos que buscar coisas novas. Mas essa ideia aqui se tornou mundial porque foi adotada em Paris, coincidiu com a pandemia da covid e revelou o interesse das pessoas por proximidade. Depois, com o conflito entre Ucrânia e Rússia, foi necessário poupar recursos energéticos, porque não sabemos o que irá acontecer amanhã e surgiu uma onda política pessimista. Nunca imaginei que o conceito iria dar a volta ao mundo, e eu vou acompanhando, porque no mundo todo me convidam para falar e trabalhar.”
Maior mistura social
“Digo aos críticos da ‘cidade de 15 minutos’ que venham visitar as cidades onde o projeto está em desenvolvimento. Venham a Paris! Como alguém pode criticar quando estamos dizendo ‘tem que levar serviços onde não tem’? Comércio, cultura, é absolutamente o contrário de excludente: queremos que haja uma maior mistura social. Se quiserem vir a Paris, os levo com prazer a todos os locais onde estamos implantando.”
Egocentrismo
“Nunca fui favorável a que as pessoas trabalhem em casa, porque é algo profundamente desigual. Tem quem more sozinho em 200 m2 e aqueles que moram com uma esposa e três filhos em um espaço de 40 m2. Mas não é normal que as pessoas precisem passar duas, três, quatro horas num transporte para ir e voltar do trabalho. Para quem trabalha em casa, surge a necessidade de lugares onde se possa socializar na vizinhança. E estamos falando de criar maneiras de trabalhar ligadas à tecnologia, não que obrigatoriamente elas tenham que ficar em casa.”
São Paulo
“Já debati com muitos colegas e políticos interessados na ‘cidade de 15 minutos’ sobre a possibilidade de implantar o conceito em São Paulo. A resposta é sim, é possível. Não devemos nos assustar com o tamanho da cidade, nem com o número de habitantes, senão nunca se vai poder fazer nada. Não podemos ser pessimistas e dizer que ‘sempre foi assim e nunca vai mudar’. Em São Paulo, existe o medo de que nunca possa mudar, pois sabemos que tem regiões muito desiguais, e também muita marginalidade e desigualdades econômicas e laborais. Mas estamos falando de vontade política, de prefeitos que decidam criar uma mudança de rota que diga ‘vamos mudar isso, vamos criar serviços próximos, vamos levar serviço médico, escolas, livrarias, comércio, esporte a todos’. Esse é um compromisso político no sentido aristotélico, porque fala de elementos comuns que nos unem na cidade. Em São Paulo, temos uma cidade que está segregada, mas nós propomos mais mistura social, com mais penetração de serviços públicos.”
Brasil
“Conheço bem Curitiba, uma cidade bastante inovadora, e temos perspectivas de trabalhar juntos. Espero ir ao Brasil após as eleições municipais, talvez para a COP 30 [em novembro de 2025]. Os brasileiros sempre foram líderes na América Latina: para onde se move o Brasil, move-se o resto da América Latina. Meu recado aos brasileiros, de várias cidades, ricas em história e cultura, é que busquem um amanhã em que se pense a cidade numa perspectiva mais humana, um país feito de cidades habitáveis.”
Fonte: ABRAINC – 15/07/2024