Após a revisão do Marco Legal, o total de investimentos previstos em saneamento deve chegar a R$ 327,9 bilhões para atender a universalização. A estimativa é da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) e esse montante inclui projetos já concedidos (R$ 44,3 bilhões), propostas em estudo no BNDES (R$ 105,4 bilhões), investimentos da Sabesp, Copasa, entre outras (R$ 93,5 bilhões) e os recorrentes que serão aplicados por Estados e municípios em dez anos (R$ 84,7 bilhões). “Nos últimos anos, observamos mais mudanças do que tivemos em 20 anos”, diz Venilton Tadini, presidente executivo da entidade. Pelo levantamento da entidade, serão necessários mais R$ 197,5 bilhões até 2033.
A intensa movimentação é atribuída aos avanços significativos em relação à segurança jurídica que o Novo Marco Legal do Saneamento trouxe. O estabelecimento de metas claras para a universalização dos serviços até 2033, a definição da Agência Nacional de Águas (ANA) como a responsável pelas normas de referência nacionais, a obrigatoriedade de licitação para a concessão dos serviços e o incentivo à regionalização, visando ganhos de escala.
“O fim do contrato de programa (celebrado entre municípios e a companhia estadual de saneamento) representa um avanço. A maioria era precário e muitos sequer eram revisados após um longo tempo”, afirma Tadini, da Abdib.
Entre os vários desafios, destaca-se a adaptação dos contratos às novas regras. “As normas regulatórias deverão ser aplicadas para os contratos futuros. O importante é adotar as novas regras em comum acordo, evitando prejuízo às partes”, diz Filipe Sampaio, diretor supervisor da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).
Apesar do ambiente mais propício a investimentos privados, outras barreiras devem atrasar a universalização. “Por exemplo, a interpretação e ambiguidades no texto da lei que podem trazer incertezas jurídicas em relação a blocos regionais e à transição para os novos modelos de contratos”, diz Marcelo Ribeiro, sócio líder de regulatório da KPMG no Brasil. Para ele, decretos recentes (n º 11.466/2023 e 11.467/2023) podem atrasar o processo e afastar novos investidores, por conta das regras para comprovar a capacidade econômico-financeira dos prestadores de serviço, visando flexibilizar o regramento anterior.
“Me parece impossível promover a universalização sem os investimentos da iniciativa privada. É fundamental que os municípios exerçam uma fiscalização rigorosa, garantindo que os serviços sejam prestados com qualidade e que as metas de universalização sejam cumpridas, equilibrando interesses públicos e privados”, afirma Augusto Dal Pozzo, vice-presidente da Comissão de Infraestrutura, Logística e Desenvolvimento Sustentável da OAB-SP.
Dal Pozzo defende que o município deve promover a participação social, permitindo que a comunidade acompanhe e contribua para as decisões. “O governo deve exercer uma regulação forte para garantir a efetividade do serviço ao usuário e para toda a coletividade”, diz.
Segundo estudo da Abdib, as metas de universalização do fornecimento de água devem ser atingidas só em 2040 e a de esgoto em 2041, considerando os investimentos privados já contratados, projetos em estruturação e investimentos públicos recorrentes. O principal entrave é a demora em transferir, por meio das concessões, os ativos para a iniciativa privada. “O processo melhorou muito, pois não temos aquele ranço ideológico do passado e os governantes percebem que o setor público não tem recursos e que o vizinho está fazendo e colhendo frutos ao garantir o bem-estar da população”, diz Tadini.
Do ponto de vista regulatório, um dos desafios é promover a harmonização entre as mais de 100 agências infranacionais. Em fevereiro, a ANA publicou a NR nº 4, com práticas de governança para essas entidades e desenvolve o programa Pro-Saneamento, para criar uma metodologia de avaliação do trabalho delas.
“Nossa atuação despertou desconfiança no início, mas as normas têm sido bem recebidas e os esforços são percebidos em toda parte. É inegável que a uniformização dos normativos trará segurança jurídica”, diz Sampaio, da ANA. Consultas públicas, estudos técnicos e programas de capacitação fazem parte de sua estratégia.
A uniformização dos serviços em termos de qualidade e monitoramento é mais complexa, já que cada localidade tem características econômicas, culturais e ambientais distintas. “Um único modelo de regulação é contraproducente. A adaptação a novos padrões exige tempo e recursos por parte das concessionárias e dos reguladores”, diz o diretor da ANA. Quanto ao monitoramento dos serviços, já foi publicada a NR- 8 e, em setembro, deve ser lançada outra com metodologia sobre indicadores operacionais (cálculos do volume de água, duração de reparos, reclamações dos serviços, dentre outros).
Um dos problemas que preocupa é o atendimento de populações carentes. Segundo Marcos Helano Fernandes Montenegro, da coordenação do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), as modelagens de concessão deixam a desejar. “Dificilmente os serviços de água e esgoto das concessionárias privadas apresentam flexibilidade, o que torna mais difícil o atendimento.” Áreas de características rurais também não são incluídas nos mapas de saneamento. “Não se encontra qualquer referência ao Programa Nacional de Saneamento Rural. Como regra, os editais subestimam o número de pessoas que deveriam ter acesso à tarifa social”, avalia Montenegro.
Para as regiões mais precárias, o modelo de concessão simples não tem espaço. “Há duas alternativas: uma PPP, com os riscos decorrentes e a regionalização, agregando vários municípios e tornando o ativo mais robusto, capaz de remunerar, via tarifas, os investimentos requeridos”, explica o presidente da Abdib.
Fonte: Valor Econômico – Por Para o Valor — São Paulo, 02/09/2024