Empresas com grande ativo imobilizado que hoje não pagam ICMS, como locadoras de máquinas e veículos, transmissoras de energia e saneamento, tiveram uma surpresa com o segundo projeto de regulamentação da reforma tributária (PLP 108/24). Com o aumento de alíquota com o IVA, especificamente com o IBS, em decorrência de não pagarem ICMS, esperavam conseguir créditos sobre seu ativo imobilizado, para reduzir um pouco o valor dos tributos, que será mais alto quando a reforma entrar em vigor. Mas o projeto não trouxe essa previsão.
Uma empresa que preste serviços ou alugue bens, e que hoje paga 5% de ISS ou não paga ISS nem ICMS (caso das locadoras) com a reforma, vai passar a pagar CBS e IBS em um total de 26,5%. Em troca, terá creditamento mais amplo. Por isso a preocupação dos setores que já fizeram investimentos altos e ficarão sem os créditos sobre o que já foi adquirido.
O PLP determina que o saldo credor que gera créditos de ICMS é o valor do imposto apropriado como crédito e não compensado ou utilizado pelo contribuinte até 31 de dezembro de 2032, desde que esteja regularmente apurado na escrituração fiscal do estabelecimento, seja admitido pela legislação vigente em 31 de dezembro de 2032 e decorra de operações ocorridas até a data. Isso deixa de fora o ativo imobilizado de quem não era contribuinte do ICMS.
“A expectativa era que o PLP trouxesse alguma solução para esse problema”, afirma Luca Salvoni, sócio do Cascione Advogados. Havia a esperança da tomada de créditos sobre os itens do ativo imobilizado, mesmo que considerado o valor depreciado e não da aquisição. Isso evitaria que uma empresa que ainda estará pagando os investimentos no seu ativo não tenha créditos enquanto um entrante que fizer o mesmo investimento após a reforma terá.
“De início a alíquota-padrão fica muito alta até que o contribuinte compre novos ativos e tome crédito, o que não necessariamente ele vai fazer”, afirma.
O secretário extraordinário da Reforma, Bernard Appy, esclareceu na apresentação do texto à imprensa que só terá crédito de ICMS quem hoje é contribuinte de ICMS (que não é o caso desses setores), mas que eles poderiam pleitear o crédito durante a tramitação do texto no Congresso.
Para o setor de saneamento, por exemplo, é muito importante o aproveitamento de créditos, considerando que a reforma instituiu a cobrança de CBS e IBS para o setor, que até então não contribuía com ISS e ICMS, segundo a diretora-executiva da Abcon Sindcon (Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto), Christianne Dias. Nesse sentido, o setor corrobora com outros da infraestrutura sobre a relevância de obter créditos sobre investimentos realizados, segundo a diretora.
Segundo Murillo Barbosa, diretor-presidente da Associação de Terminais Portuários Privados (ATP), com a nova legislação, o aumento na alíquota não é acompanhado, de imediato, pela possibilidade de utilização de créditos sobre os ativos imobilizados já adquiridos, o que representa um aumento efetivo da alíquota.
“O PLP que regulamenta esses créditos trouxe, de fato, uma surpresa para o setor, uma vez que a expectativa era que, com a reforma tributária, houvesse algum mecanismo que permitisse o aproveitamento de créditos retroativos, mitigando o impacto financeiro dessa transição tributária”, afirmou.
O aumento nos custos com impostos afeta a rentabilidade e a competitividade das empresas, segundo o diretor. Além disso, Barbosa destaca o impacto logístico, porque as empresas precisarão adquirir novos ativos para gerar créditos de IVA, o que representa um investimento adicional e pode não ser viável no curto prazo. “Essa necessidade de renovar ativos para aproveitar créditos fiscais poderá levar a um planejamento estratégico e financeiro mais complexo, influenciando decisões de investimento e expansão”, afirmou.
A ATP pretende buscar alternativas durante a tramitação na Câmara, como pleitear a criação de um mecanismo específico para o setor portuário que permita o creditamento retroativo de ICMS sobre os ativos imobilizados adquiridos antes da reforma.
A Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (Abla) vai no mesmo sentido. Em conjunto com a Associação Nacional de Aluguel de Veículos e Gestão de Frotas (Anav), já se posicionou sobre o assunto.
Segundo nota enviada ao Valor pela Abla, a mudança repentina para um novo regime implicará distorções de mercado, por isso também pleiteam um regime diferenciado.
De acordo com o tributarista João Paulo Cavinatto, sócio do escritório Lefosse, alguns clientes já haviam levantado essa questão dos créditos antes da publicação do PLP, especialmente dos setores de saneamento básico e saúde. Trata-se, segundo o advogado, de um “resíduo tributário”, que fica embutido e acaba não atendendo a não cumulatividade. “É um tema caro especialmente a quem tem custo de investimento em capital e ativo imobilizado muito grande.”
O advogado destaca que sem o crédito do ativo imobilizado há um tratamento anti-isonômico seja na comparação com outros setores que detêm créditos, seja com novos entrantes no mesmo setor, que poderão se creditar do ativo que for adquirido depois que a reforma entrar em vigor. “Não é um favor que os setores estão pedindo, é uma possibilidade de neutralização em relação a esse resíduo tributário.”
Na área de infraestrutura os projetos normalmente são vinculados a financiamentos de longo prazo, às vezes até pelo prazo da concessão, segundo o advogado. “Dificilmente o pagamento é feito à vista, então sai mais caro em relação a quem entrar depois [da reforma]”, afirma.
Fonte: Valor Econômico – Por Ana Luiza Tieghi, Valor – São Paulo, 17/06/2024