Setor imobiliário na reforma tributária

Aprovadas as bases da reforma tributária pela Emenda Constitucional – EC 132, as atenções se voltam agora para a sua regulamentação: PLP 68/2024. Este é o projeto que traz as regras gerais e os regimes específicos da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Dentre esses regimes específicos, estão as operações com bens imóveis, que abrangem: a) construção e incorporação imobiliária; b) parcelamento do solo e alienação de bem imóvel; c) locação e arrendamento de bem imóvel; d) administração e intermediação de bem imóvel (EC 132).

Nos termos do PLP 68/2024, devem ser entendidas como operações imobiliárias as seguintes atividades exercidas pelas pessoas jurídicas: alienação de bem imóvel, inclusive decorrente de incorporação imobiliária e de parcelamento de solo; ato oneroso translativo ou constitutivo de direitos reais sobre bens imóveis; locação e arrendamento de bem imóvel; e serviços de administração e intermediação de bem imóvel. Pelas mesmas regras tributárias das citadas atividades sujeitam-se ainda a servidão, cessão de uso ou de espaço, a permissão de uso, o direito de passagem e demais casos em que se permita a utilização de espaço físico.

O PLP 68/2024 excluiu expressamente os serviços de construção civil do regime específico, mantendo-os sujeitos às regras gerais de CBS/IBS. Aparentemente, essa exclusão contraria o texto da EC 132, que, como visto anteriormente, prevê regime específico para a construção e a incorporação imobiliária. Este é um ponto de revisão na tramitação do projeto pelo Congresso Nacional, sob pena de potencial questionamento após a publicação da lei complementar.

Também está fora do regime específico das operações imobiliárias a chamada locação short stay, aquela com prazo inferior a 90 dias. Essas locações serão tributadas pelas mesmas regras aplicáveis aos serviços de hotelaria, qual seja: alíquota reduzida, com tomada de crédito pelos locadores (não cumulatividade), mas sem direito a crédito de CBS/IBS pelo locatário.

As operações com bens imóveis sujeitam-se a 80% da alíquota de referência. Mesmo considerando a possibilidade de tomada de créditos fiscais pela sistemática de não cumulatividade e os redutores de ajuste e social, a alíquota específica pode causar aumento na carga tributária das atividades imobiliárias, porque hoje a tributação é reduzida: incorporação imobiliária está sujeita ao Regime Especial de Tributação (RET) e a locação não está sujeita a ICMS nem a ISS. Se considerarmos a alíquota base ventilada de 26,5%, a alíquota de CBS/IBS para operações imobiliárias será de 21,2%, que é enormemente superior às alíquotas atuais, que variam de 0,53% a 3,65%, já que é comumente usual a adoção do regime cumulativo do PIS e Cofins pelas empresas deste segmento.

Outro ponto que merece destaque é o momento da tributação. Atualmente, seja pelo RET seja pelo lucro presumido, as operações imobiliárias são tributadas à medida do recebimento da venda, com observância do denominado método do percentage of completion (POC). Já pelo PLP 68/2024, essa tributação acontece nas incorporadoras, loteadoras e locadoras no vencimento da parcela da venda/locação. Com isso, a tributação passa a acontecer mesmo que não haja o recebimento da venda/locação, o que causará severos efeitos financeiros no setor, com provável impacto nocivo à sociedade.

Finalmente, a base de cálculo de CBS/IBS na atividade imobiliária pode não ser o valor da alienação. O PLP 68/2024 prevê que o valor a ser tributado será o maior entre o valor da operação e o valor de referência do imóvel. O valor de referência é praticamente o valor de mercado, definido, dentre outros critérios, pelos governos municipais, estaduais e federal, que são os beneficiados pela arrecadação de CBS/IBS. Este é outro ponto de revisão no Congresso Nacional, já que pode ser questionada a constitucionalidade da tributação sobre o consumo considerar o valor de mercado do bem, no caso, imóvel.

Como forma de viabilizar a não cumulatividade ampla de CBS/IBS na atividade imobiliária, o PLP 68/2024 prevê o redutor de ajuste, que é o valor a ser reduzido da base de cálculo dos tributos, correspondendo ao menor valor entre o valor da aquisição e o valor de referência do imóvel. Vale dizer: para a base de cálculo considera-se o maior valor entre o valor da operação e o valor de referência, mas, para o redutor de ajuste, admite-se o menor valor entre esses valores. Adota-se para a base de cálculo o maior intervalo de valor entre a aquisição e venda do bem imóvel.

Há ainda a previsão do chamado redutor social: a base de cálculo da operação imobiliária será reduzida em até R$ 100 mil para as vendas de bem imóvel residencial novo. Esse redutor não está vinculado a imóvel de interesse social, nem mesmo a empreendimento do Programa Minha Casa, Minha Vida; basta que seja imóvel residencial novo. De qualquer maneira, o redutor social implica, na prática, a progressividade de CBS/IBS sobre as operações imobiliárias.

Como tentamos demonstrar, existem pontos na regulamentação da tributação sobre as operações imobiliárias que merecem atenção (e alteração) pelos parlamentares na tramitação do PLP 68/2024.

Cláudio Ricaldoni e Edison Fernandes são, respectivamente, bacharel em Ciências Contábeis pela UFMG, CEO e co-fundador da Térreo Tecnologia e Inteligência Tributária; e sócio do Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados e coordenador do Observatório da reforma tributária da FGV Direito SP.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor Econômico –  Por  Cláudia Ricaldoni e Edison Fernandes   –  21/06/2024

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