A emissão de debêntures incentivadas para infraestrutura cresce em ritmo galopante. Em 2020, foram R$ 27 bilhões arrecadados em ofertas, enquanto 2023 alcançou R$ 67 bilhões. A expectativa é que esses papéis sigam desempenhando importante papel no financiamento da infraestrutura nacional, sobretudo após a nova legislação de debêntures incentivadas e debêntures de infraestrutura, reguladas pela Lei nº 14.801/24 e pelo Decreto nº 11.964/24.
Acontece que a nova regulamentação modificou parte das regras do jogo e estabeleceu o lastro de “despesas de capital” para novas emissões. Isso significa dizer que as debêntures incentivadas e as de infraestrutura apenas podem ser emitidas para financiar as tais “despesas de capital”. E quem definirá o que se inclui nessa rubrica são os ministérios setoriais em conjunto com o Ministério da Fazenda, com edições de novas portarias para cada setor.
Mas o que seriam as despesas de capital que irão lastrear emissões das debêntures? O questionamento já gerou discussões notórias sobre a emissão de papéis para financiar o pagamento das outorgas. E após longos debates, o tema parece caminhar com (boas) pernas, haja vista o reconhecimento pelo Ministério dos Transportes, em portaria sob consulta pública, no sentido de que as outorgas constituiriam sim despesas de capital e poderiam ser financiadas pelos papéis de infra.
O financiamento de capex dos projetos, com todas as despesas necessárias à constituição dos ativos de infraestrutura (inclusive despesas com projetos), assim como a aquisição de equipamentos reversíveis, igualmente parece local comum para caracterizar despesas de capitais que permitam emissão de debêntures de infraestrutura e debêntures incentivadas.
A discussão agora está nas indenizações. Quer dizer, seria possível enquadrar indenizações por ativos não amortizados, que o novo contratante precisa pagar ao antigo operador, na qualidade de despesas de capital?
Entendemos que sim, as indenizações que um novo operador deve recolher em favor do operador antigo, como condição de assinatura ou eficácia de novo acordo de parceria, devem ser enquadradas como despesas de capital. E isso porque estar-se-ia alcançando justamente o objetivo dos benefícios buscados para essas espécies de debêntures, fomentando investimentos em ativos de infraestrutura.
A indenização não só é pagamento por capex nos ativos que servem a infraestrutura nacional (reversíveis), como também serve como condição para que um novo operador possa realizar investimentos nos serviços e ativos da infraestrutura brasileira. Isto é, trata-se de elemento que conjuga natureza de outorga e de capex, tornando-se essencial o esclarecimento regulatório de que essas indenizações fazem parte do gênero despesas de capital.
É certo que aqueles “do contra” podem alegar que as indenizações refletem capex de outro projeto, ligado à operação antiga, incapaz de gerar debêntures com benefícios fiscais. Ocorre que esse raciocínio apenas privilegia a forma, deixando de reconhecer que investimento em ativo significa exatamente investimento em infraestrutura.
Mais que isso, o contra-argumento cai por terra quando enfrentada a pergunta do porquê considerar indenizações como despesa de capital seria importante. Por que será?
Inicialmente, destaca-se que tal previsão permite que o mercado privado efetivamente pague por investimentos em infraestrutura, pulverizando o risco de capital para financiar tais ativos.
De outro giro, a medida detém o condão de robustecer os casos de transferência de ativos estressados, como aqueles em processo de relicitação. Nesses projetos é preciso trocar operadores mediante pagamento de indenizações, o que pode ser viabilizado pela adoção de uma estrutura mais eficiente de funding para o próprio empreendimento.
Não fosse tudo isso suficiente, o tema é de extrema relevância para o setor de saneamento básico, principalmente dos serviços de água e esgoto. E isso porque o Novo Marco Regulatório do Saneamento previu uma maior possibilidade de entrada de operadores privados, mediante o pagamento de indenizações aos antigos operadores, caso se identifique investimentos não amortizados. Dificultar uma fonte eficiente de recursos para esse pagamento acaba por minar a previsão de sucessão operacional, prejudicando tanto o operador estatal, como também o investidor privado.
Do lado público há redução do incentivo de investimentos, com vislumbre de litígio para cálculo e recebimento de indenizações, enquanto do lado privado, aumenta-se o custo financeiro de transação para iniciar operações em ativos sob antiga operação estatal.
O saneamento traz particularidade que exige verdadeira atenção das autoridades governamentais, sobretudo porque existem projetos cujo valor de indenização é sobremaneira relevante, às vezes de igual importância ao montante das outorgas e quiçá do capex. E não seria justo ou razoável deixar de permitir o pagamento eficiente desses investimentos via debêntures incentivadas ou de infraestrutura, colocando em risco as metas de universalização.
O momento é oportuno e exige rápida ação pelo governo. É preciso deixar claro o conteúdo das tais despesas de capital, conferindo lastro para emissões que financiem capex, outorga e indenizações. Afinal, há múltiplas razões do porquê a conta de financiamento não pode deixar as indenizações de lado. Espera-se que o tema surja agora nas revisões das portarias das pastas ministeriais.
Christianne Dias Ferreira, Rosane Menezes Lohbauer e Fernando Bernardi Gallacci são, respectivamente, diretora executiva da Abcon Sindicon; sócia-fundadora do SouzaOkawa Advogados; e sócio-fundador do SouzaOkawa Advogados
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Fonte: Valor Econômico – Por Christianne D. Ferreira e Rosane M. Lohbauer e Fernando B. Gallacci, 22/07/2024