Novos bolsos no setor de infraestrutura

Não é de hoje que o governo vem buscando alternativas para atrair a iniciativa privada para o investimento em infraestrutura. Historicamente, sempre dependemos muito do setor público para fomentar esses investimentos.

Para ser competitivo em termos de crescimento econômico, o Brasil deveria estar investindo pelo menos 4,31% do seu PIB anual em infraestrutura. Historicamente, nunca investimos mais do que 2,40% do PIB no setor, resultando em situações de gargalos de crescimento relevantes, principalmente nos setores de transportes/logística e saneamento, que têm impacto direto no “custo Brasil” e são setores que podem contribuir para a redução dos gases do efeito estufa.

As debêntures incentivadas lançadas em 2011 através da Lei 12.431 foram o primeiro movimento do governo nesse sentido. E foi o início de uma mudança estrutural relevante. Há 20 anos, o mercado de capitais participava financiando em torno de 10% do setor, hoje representa em torno de 40%.

Com a debênture incentivada o governo conseguiu aproximar do setor de infraestrutura principalmente o investidor pessoa física, uma vez que o instrumento tem isenção de imposto de renda nos rendimentos. Segundo dados da Anbima, até julho de 2024, as emissões desse tipo de debênture já superaram os R$ 83 bilhões, volume muito superior ao mesmo período do ano anterior.

Apesar de muito populares no mercado de capitais, as debêntures incentivadas não eram atrativas para investidores de grande porte como fundos de pensão, investidores institucionais, fundos de previdência abertos e seguradoras, criando uma limitação para que esses “bolsos” tão relevantes pudessem investir em infraestrutura.

Foi então que, de olho nesses investidores, no início de 2024 o governo sancionou a lei 14.801, e no final do mês de abril publicou decreto regulamentando e detalhando a nova lei.

Na nova debênture, quem se beneficia de isenção fiscal é o emissor e não o investidor. O instrumento permite que as sociedades emissoras do papel possam deduzir montante adicional de 30% dos juros pagos aos investidores, para efeitos de apuração do lucro líquido. A expectativa é que, com essa isenção, as empresas terão espaço para repassar parte do benefício para o investidor com emissões em taxas mais atrativas.

Apesar de conceitualmente bastante interessante para o setor de infraestrutura, ainda não foi emitido nenhum papel dentro da nova lei. Isso se deve basicamente a dúvidas do setor sobre pontos da lei e do decreto que não ficaram claros e que acabaram criando inseguranças no mercado. Dessa forma, o mercado está em compasso de espera de maiores definições e detalhamento por cada ministério e pela Receita Federal antes de iniciar emissões.

No mês de julho, o Ministério dos Transportes, em movimentação pioneira, publicou decreto detalhando as regras e procedimentos para essas emissões com os seguintes destaques: (i) dispensa de aprovação prévia para projetos de investimentos federais ou de titularidade de entes subnacionais que envolvam concessão; e (ii) inclusão expressa da outorga como despesa de capital.

Essa movimentação do Ministério dos Transportes é bastante positiva, trazendo maior flexibilidade e menos burocracia para as emissões e definindo claramente a outorga para o conceito de bem financiável. Acreditamos ser muito provável que os demais ministérios acompanhem esse movimento e devam publicar seus decretos em breve.

Após os decretos, para destravar efetivamente as emissões desse novo instrumentos, um último ponto crucial precisa ser esclarecido em relação à aplicação prática do benefício fiscal previsto na lei 14.801. Para o mercado ainda não é claro qual parcela da remuneração aos debenturistas poderia ser efetivamente computada para fins de cálculo da exclusão adicional de 30% dos juros e quanto será aproveitado dessa exclusão adicional na formação de prejuízos fiscais para uso futuro.

A agilidade no detalhamento e definição das regras e operacionalização por parte de cada ministério será essencial para vermos a entrada efetiva desses novos investidores no setor de infraestrutura. O impacto disso certamente será benéfico para o setor e ajudará a destravar projetos relevantes para o desenvolvimento do país.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

Fonte: Valor Econômico – Por Cristina Tamaso e Sofia Caccuri – Para o Valor, 06/09/2024

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