A taxa de juros real neutra (r*) é uma variável chave para a condução da política monetária. É o principal referencial teórico para definir a postura da política monetária vigente.
Em termos mais concretos, permite a investidores e empresários formarem expectativas embasadas sobre o futuro dos juros no Brasil. Existem múltiplas definições de taxa de juros real neutra, mas, para fins deste artigo, consideremos como a taxa que garante a estabilidade de preços, abstraindo de choques temporários sobre a inflação e o produto.
A estimação da taxa de juros real neutra enfrenta uma série de dificuldades, pois é um dado não observável que depende, por sua vez, de outra variável não observável (a taxa de crescimento do produto potencial). Em outras palavras, nenhuma agência pública ou privada divulga a taxa de juros real neutra observada em algum período. Não existe uma taxa de juros real neutra verdadeira. O melhor que podemos fazer é estimá-la.
O modelo HLW, utilizado neste exercício, é referência na literatura acadêmica. Foi desenvolvido por economistas do Fed de Nova York em 2003 e, desde então, foi adaptado em múltiplas ocasiões, mais recentemente para lidar com os eventos da pandemia. É um modelo parcimonioso que formaliza via equações duas intuições relativamente simples: (i) juros elevados levam à moderação da atividade econômica (Curva IS); e (ii) atividade econômica fraca se traduz em redução da inflação (Curva de Phillips).
Em posse dessas relações, o modelo decifra (mais formalmente, filtra) os dados correntes de PIB real, inflação, taxa de juros nominal, para obter estimativas da taxa de juros real neutra.
A nossa estimativa para a taxa de juros real neutra no primeiro trimestre de 2025 é de 5.7% ao ano, sugerindo uma Selic neutra de aproximadamente 9%, dada uma meta para a inflação de 3%.
Num primeiro momento, esse número assusta. Como explicar a necessidade de uma taxa de juros tão elevada para conter a inflação mesmo num cenário ideal (PIB em seu nível potencial e expectativas de inflação ancoradas)?
A explicação passa necessariamente pela baixa eficiência da política monetária no Brasil. Isto é, a economia doméstica parece relativamente insensível a um “gap” de juros positivo. Sobrepondo-se a esse fenômeno, a inflação corrente também responde pouco aos movimentos do hiato do produto.
As causas destes fenômenos são diversas e bem estudadas. A segmentação do mercado de crédito, com um grande volume de recursos direcionados; um histórico de instabilidade macroeconômica e a prevalência de spreads elevados dificultam a transmissão da política monetária.
Regras de indexação, peso dos preços administrados, inflação importada e desancoragem persistente das expectativas são outras peças relevantes do quebra-cabeça.
Assim, apesar de um crescimento do produto potencial nada excepcional de 1,8%, o país deve continuar a conviver com uma taxa de juros real bastante elevada.
Isto nos leva à segunda descoberta interessante. No modelo HLW, a taxa de juros real neutra é função do crescimento do produto potencial e de outros determinantes. No caso brasileiro, o coeficiente do produto potencial é muito maior do que se observa nos EUA, UE e Canadá. Isso significa, na prática, que a aceleração do crescimento da economia, ainda que sustentada, levaria a uma elevação mais que proporcional do juro neutro. A intuição é que a taxa básica de juros é uma ferramenta menos eficaz no Brasil, comparativamente a seus pares.
Nos anos 2000, tanto o juro neutro quanto o crescimento potencial encontravam-se em patamares muito elevados. Ciclo global de commodities, redução do risco país, expansão do crédito, impulsos à demanda interna e bônus demográfico imprimiam dinamismo à economia brasileira.
Com o esgotamento desses “drivers”, agravado por erros de política econômica, instala-se uma tendência clara de moderação do crescimento econômico, acompanhada de uma redução do juro neutro. Ambas as variáveis alcançam suas mínimas entre 2015 e 2018.
Nos últimos anos, observamos uma retomada do crescimento, possivelmente refletindo efeitos cumulativos e defasados de reformas econômicas. Dada a mecânica do modelo, esse movimento é amplificado na dinâmica da taxa de juros real neutra.
Em termos práticos, isso significa que juros altos seguirão sendo parte do ambiente econômico brasileiro no futuro previsível. Para investidores e empresas, a mensagem é clara: é preciso planejar decisões de investimento, financiamento e alocação de capital considerando um custo de capital persistentemente elevado, ao mesmo tempo em que reformas estruturais e avanços institucionais se tornam essenciais para reduzir esse nível no longo prazo.
José Alfaix é economista da Rio Bravo Investimentos
Augusto Lima Alves é mestrando da Bocconi University
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Fonte: Valor Econômico – Por José Alfaix e Augusto Lima Alves – 08/10/2025