Prefeito veta pontos polêmicos do regramento, que passou por segunda mudança no ano
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), sancionou a nova revisão da Lei de Zoneamento da cidade, com 18 vetos ao texto enviado pelos vereadores no início do mês, incluindo trechos mais polêmicos, que permitiam construções maiores em áreas que hoje são totalmente residenciais nos bairros de Vila Nova Conceição e Cidade Jardim.
A Lei de Zoneamento, oficialmente chamada de Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS), define a aplicação do regramento do Plano Diretor Estratégico do município. O Plano Diretor passou por revisão no ano passado. O zoneamento foi revisado logo depois disso, mas houve falhas no mapa que orienta a aplicação das regras, como quadras que ficaram sem definição alguma. Por isso, uma nova revisão foi elaborada pelos vereadores.
Com o pretexto de corrigir as falhas da revisão, o novo texto incluiu emendas que modificavam alguns pontos da lei. O que mais gerou debates foi a mudança de Zona Exclusivamente Residencial (ZER), onde predominam casas, para Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana (ZEU) em algumas quadras dos bairros de Vila Nova Conceição e Cidade Jardim. As ZEUs ficam próximas do transporte público de massa e, por isso, recebem incentivos para adensamento. Na prática, isso permitiria a construção de edificações sem limite de altura, enquanto nessas regiões – muito valorizadas – predominam as casas.
No início do mês, associações de bairro fizeram um abaixo-assinado contra a nova revisão do Zoneamento, reclamando da falta de participação pública nas mudanças. A revisão foi aprovada às pressas no dia 2, logo antes do início do recesso parlamentar. Esses pontos foram vetados pelo prefeito.
A advogada especializada em políticas públicas Mariana Chiesa, professora do Insper, da FGV e sócia do escritório Manesco afirma que o poder Legislativo não deveria propor mudanças nesse regramento, já que essa é uma prerrogativa do poder Executivo, que é abastecido de dados para isso. Segundo ela, há “protagonismo atípico” do Legislativo nos últimos anos, que “desprestigia o processo participativo” nas revisões.
De acordo com Chiesa, as emendas vetadas por Nunes iam contra o modelo de desenvolvimento da cidade proposto pelo Plano Diretor. Não seria uma questão de ser contra mudar áreas exclusivamente residenciais para ZEUs, mas de que a revisão do Zoneamento não é o momento adequado para isso, diz. Para ela, as intervenções criaram “ambiente de insegurança jurídica”.
Ao permitir que “regiões aleatórias” virem ZEUs, se perderiam os incentivos para que essa produção imobiliária mais ampla ocorresse em outras regiões, “onde ela talvez ainda não tenha chegado”, explica Chiesa. Em São Paulo, a produção imobiliária tem sido mais volumosa nas áreas de Eixo que já ficam em regiões valorizadas, principalmente no Centro-Sul da cidade.
Os vetos ainda podem ser derrubados pela Câmara. O vereador Rodrigo Goulart (PSD), relator da revisão, foi procurado pelo Valor. Em nota, sua assessoria informou que ele “já cumpriu seu papel como relator, discutindo o tema em profundidade” e que “qualquer posicionamento da Câmara deverá ser tratado e comunicado após o recesso”, que termina no dia 1º.
José Police Neto, coordenador do núcleo de habitação e real estate do Laboratório Arq.Futuro de Cidades, do Insper, analisa que alguns vetos de Nunes se referem aos pontos que tiveram maior contestação da sociedade, e ressalta que a Câmara acertou ao propor uma nova revisão, porque havia erros que precisavam ser corrigidos.
No entanto, afirma ainda ser preciso avaliar se houve uma extrapolação por parte dos vereadores, ao inserirem emendas que não só corrigem a revisão anterior, mas que incluem “inovações”, o que “fragilizaria” a política, que só deve ser revista novamente em 2029.
De positivo na nova revisão, Chiesa cita mudança de zoneamento que permite a criação de parque no Bixiga, no terreno ao lado do Teatro Oficina.
Nunes também sancionou mudanças na Operação Urbana Faria Lima e Água Espraiada, que permitem mais prédios nessas áreas.
Algumas quadras na Vila Olímpia, entre as ruas Clodomiro Amazonas e Ramos Batista, e Fiandeiras e Santa Justina, passam a integrar a operação. Nela, é possível comprar Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs) para construir prédios maiores.
O sócio de uma gestora que atua no setor imobiliário, e que preferiu não se identificar, crê que a região deve atrair prédios residenciais de uso misto, que unem comércio na fachada e moradias populares e para a classe média, porque há incentivos para esse tipo de projeto.
O Secovi-SP, sindicato de empresas do mercado imobiliário do Estado de São Paulo, foi procurado, mas não retornou até o fechamento da reportagem.
Fonte: Valor Econômico – Por Ana Luiza Tieghi — De São Paulo, 29/07/2024